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Os dias em que eu era Sócrates (por bernardo)
Após os jogos da Copa de 86, as crianças saíam entusiasmadas para bater uma bola no asfalto da rua Manaus, zona leste de Belo Horizonte.
Meus amigos e eu, no auge da ilusão com o futebol.
Cada um tinha seu craque preferido.
Lu, o matador, era Careca. Maurício o Galinho de Quintino e Raul, goleiro desde sempre, até no nome, era Carlos.
Eu era Sócrates…
Com a bola de plástico eu tentava repetir os calcanhares do Magrão, do Doutor.
Doutor da bola, capaz de curar qualquer amargura ou defeito da redonda.
Jogador clássico e de extrema classe que, desde os meus primeiros reparos ao futebol, me encantava.
Mais velho, descobri outras facetas brilhantes do Doutor.
A caneleira amarela que, silenciosamente, gritava por democracia! O punho cerrado que dizia não aos poderosos.
Sócrates, como o filósofo, contestador.
Em 21 de junho de 1986, naquele sábado, não houve futebol na rua Manaus.
A alegria das crianças e da bola na rua fora substituída pela tristeza cinzenta de um dilúvio.
E nós, garotos da Manaus, colamos a cara no vidro da janela esperando que a chuva passasse e que o tempo voltasse, fazendo o Brasil vencer a França no México e a bola rolar no asfalto da rua de nossas infâncias.
25 anos depois, Belo Horizonte voltou a acordar cinzenta.
O 4 de dezembro de 2011 chegou com a notícia triste da morte do Magrão.
A rua Manaus já não é a mesma. As casas aconchegantes viraram prédios enormes, frios e sem sentimento. As jabuticabeiras foram cortadas e os pés de jambo são apenas lembranças cheirosas de um bairro que praticamente não existe mais.
Eu já não tenho tamanho nem idade pra fingir de Sócrates. Já não me atrevo aos calcanhares com a bola dente de leite e os amigos daquele tempo estão cada um em um canto, todos adultos, com suas vidas e preocupações.
Mas uma coisa ainda me permito, colar a cara no vidro da janela e esperar que a chuva passe, que o tempo regresse desfazendo aquilo que não quero acreditar.
Fazer a passagem no dia do penta Dr.? (Eu só sei q nada sei..!)
"O crescimento intelectual e moral não é menos indispensável que a melhora material. Saber é um viático; pensar é a primeira necessidade; a verdade é tão alimentar como o fermento. Uma razão jejuna de ciência e de sabedoria fenece. Lastimamos, como se fossem estômagos os espíritos que não comem. Se existe alguma coisa mais pungente que um corpo agonizante pela falta de pão, é uma alma que morre de fome de luz" (Victor-Marie Hugo) Seuls les idiots ne changent pas d'avis.
"Não há bons ou maus combates, existe somente o horror ao sofrimento aplicado aos mais fracos, que não podem se defender."
(Brigitte Bardot)
(Brigitte Bardot)