"Não há bons ou maus combates, existe somente o horror ao sofrimento aplicado aos mais fracos, que não podem se defender."

(Brigitte Bardot)

domingo, 30 de maio de 2010

Quando a inteligência atrapalha

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Se você nunca quis ser menos consciente do que estava acontecendo a sua volta, então o que danado você está fazendo aqui? Pare com essa leitura, saia daqui, vá procurar fotos dos seus amiguinhos no Bob Flash. Nada aqui te interessa. Tchau. Esse texto é pra quem não consegue se divertir no cinema domingo à noite, comendo um balde de pipoca e Coca-Cola a 12 reais. Xô.

Pronto, agora que nos livramos deles, podemos começar. Se existe solução pacífica para quem vive nesse mundo e prestou atenção a disciplinas consideradas inúteis, como Sociologia, Teoria da Comunicação e Filosofia; então essa alternativa é o humor. Foi através dele que o francês Martin Page escreveu o romance Como me tornei estúpido.

Num tom de brincadeira, o autor conta a trajetória de Antoine, um intelectual com bacharelado em biologia, mestre em aramaico e em cinema de Sam Peckinpah e Frank Capra, que culpa o excesso de consciência para sua inadequação ao mundo. Antoine é um extremista, segue a risca seus princípios, levando-o às últimas conseqüências. Coloca defeito em tudo, não compra roupas da Nike (por serem fruto da exploração de trabalho infantil na Ásia) e mantém listas com nomes de empresas que investem em países não democráticos ou em atividades eticamente questionáveis.

Já não suportando seu próprio senso crítico, que não lhe permite se misturar ao mundo, Antoine enxerga na bebida a saída para se tornar alguém normal. Pesquisa em livros, estuda sobre o assunto, arruma até um professor, mas acaba em coma após o primeiro gole de cerveja, por possuir uma hipersensibilidade ao álcool. Depois freqüenta uma escola para suicidas e tenta, em vão, convencer seu pediatra de como uma cirurgia de lobotomia poderia resolver seu problema. Consegue, porém, um tratamento a base de pílulas milagrosas chamadas Felizac. Através delas, Antoine passa a fazer parte do reconfortante mundo de McDonald’s e eletrodomésticos, renova seu guarda-roupa, entra numa academia de ginástica e começa a trabalhar numa corretora.

Cheio de situações absurdas e frases de impacto, Como me tornei estúpido faz uma crítica bem humorada da lógica que rege o nosso mundo. Martin Page traduz de maneira despretensiosa, o sentimento de inconformismo e impotência daqueles que retornaram à caverna de Platão para falar aos outros prisioneiros sobre a Escola de Frankfurt, Indústria Cultural e Adorno.

É bem verdade que o livro de Martin Page está mais voltado para o entretenimento do que para a crítica, que a idéia não tem nada de original e que Memórias do Subsolo de Dostoiévski aborda o mesmo tema de forma muito mais ácida, densa, cínica e profunda; mas ainda assim, Como me tornei estúpido continua sendo uma boa leitura de fim de semana, para aqueles que não querem ser chatos em tempo integral. (Thiago Corrêa)

Como me tornei estúpido

“Eu não quero ter força para ser eu, nem coragem nem cobiça de ter algo parecido com uma personalidade. Uma personalidade é um luxo que me custa muito caro. Quero ser um espectro banal. Estou sufocado pela minha liberdade de pensamento, por todos os meus conhecimentos, pela minha abominável consciência!”

(Martin Page)